Há três espécies
de bens: aquele que gostaríamos de possuir por ele mesmo; aquele que gostaríamos
de possuir por ele mesmo e por suas consequências; e os que gostaríamos de
possuir somente pelas consequências. O primeiro bem seria a alegria e os
prazeres inofensivos; a segunda espécie de bem seria a sensatez, a vista, a saúde;
a terceira espécie de bem seria a ginástica, a medicina. Mas, afinal, entre
esses bens, onde caberia a justiça?
Antes de responder essa pergunta,
para contrapor Sócrates que diz que a justiça é da primeira espécie – terá ainda
que justificar –, seus interlocutores, ao contrário, dizem que a justiça tem
sua origem na conveniência, pois se alguém comete sua falta não quer sofrer
suas consequências e quem sofre essa falta quer vingar-se. Essa falta chama-se
de injustiça. Dizem também que a justiça é praticada contra a vontade, pois se
obedecessem aos seus desejos todos tenderiam para a injustiça. Por último,
dizem que o injusto leva uma vida melhor que o justo, pois este quer ser justo
e não aparecê-lo , sendo que o injusto quer aparecer justo justamente para ter
todas as honrarias que o justo merece. “Pois o supra-sumo da injustiça é
parecer justo sem o ser.” O justo, ao contrário, por sê-lo e não aparecê-lo,
sofre todas as injúrias, castigos, maldições que deveriam caber ao injusto. Ou
seja, Platão já enxergava o problema da “aparência” que hoje, parece-me, foi
hiperbolizado.
Essa querela entre a justiça e a
injustiça fica restrito ao campo prático nesse segundo livro, já que no
primeiro a justiça foi definida e aceita como aquela que possui em si a reflexão,
ou seja, é a responsável por guiar o homem. Pelo menos em teoria, pois Glauco e
Adimanto, irmãos de Platão e seus interlocutores, querem mostrar que na prática
muitos acham que a injustiça é melhor que a justiça.
Sócrates, para contrapor, começa a
desenvolver o conceito de justiça ao criar uma cidade, pois será mais fácil
entendê-la no macro do que no micro. Primeiro entender a justiça no macro para
depois ir ao micro. Antes disso, Sócrates desenha o que seria a cidade, como
cresce conforme a necessidade de alimentação, de saúde, de divertimento, de vestimenta,
de segurança. Conforme a cidade vai crescendo, será necessário mais terra e
animais e, por consequência, de mais homens. Logo, o espaço que era suficiente
não o é mais. Se as cidades vão crescendo nesse ritmo, logo faltará terra para
todos e será natural que briguem por elas. Fica claro, aqui, que a guerra nasce
das necessidades ou, indo além, de suas manutenções. Por isso para uma cidade
preparada, Platão nos diz que ela precisará também de guardiões. Os guardiões são
valentes e fortes, sabem ser duros com o inimigo e amigável com os amigos, com
os concidadãos. Para esses guardiões, por serem brandos com uns e duros com
outros, serão indispensáveis terem em si um conhecimento para justificar tal
atitude e, indo mais longe, é preciso buscar sempre um conhecimento que dê
base, a fortaleça, ou seja, é preciso atualizá-lo. Os guardiões, de certa
maneira, são aqueles que aproximam do filósofo justamente por esse
conhecimento. Mas será preciso distingui-lo ao que cabem aos guardiões e aos
que cabem aos filósofos.
A educação na cidade, Platão nos diz
que ela deve ser dividida em duas: a música e a ginástica. Primeiro devemos
ensinar a música, pois nesta pressupomos que há literatura e na literatura
existe a divisão entre a verdadeira e a falsa. Nas falsas caberiam as fábulas
por não conterem fatos verdadeiros, embora suas histórias possam conter
verdades morais. Nessa literatura falsa devemos censurar, principalmente, as
histórias mentirosas e sem nobrezas, muitas vezes diferentes das fábulas que são
mentirosas, mas há uma verdade moral ali, ou seja, possui, de alguma maneira, certa
nobreza. Quais histórias sem nobrezas são essas? São principalmente as histórias
dos deuses, que são bons e justos, sendo retratados de forma totalmente contrários.
São retratados como violentos, ambiciosos, vingativos, ou seja, no fundo Platão
critica certa humanização dos deuses construída, sobretudo, por Homero e Hesíodo.
Deus, para Platão, é a ideia que
cabe a justiça, o belo, o bem. Ao contrário para os poetas que colocam características
humanas nos deuses. O Deus para Platão só sai coisas boas, belas, justas e vantajosas.
É o ideal a ser perseguido e é o ideal que faria os homens adquirirem uma
educação perfeita. A poesia verdadeira deve refletir, comunicar, sentir esse
deus.
O
Mito do anel de Giges
Esse mito conta a história de um
pastor honesto e bom de ovelhas onde em suas terras ocorreu uma grande
tempestade e um grande terremoto que abriram uma fenda na Teerã. O pastor,
descobrindo essa fenda, desce-a e descobre um grande homem que possuía somente
um anel. O pastor, não resistindo, pegar o anel e começa a usar. Com o tempo
descobre que se virar o anel para dentro fica invisível, se virar para fora
torna-se a ficar visível. Com um poder (da invisibilidade) parecido com os
deuses, o pastor vai para a casa do soberano das terras para seduzir sua mulher
(e consegue) e matá-lo, assim tornando-se o novo soberano.
Esse mito nos ensina que mesmo um homem bom pode ser corrompido pelo
poder, ou seja, vai se deixar levar pelo instinto. É um mito contado pelos
interlocutores de Sócrates para afirmarem que tanto o justo como o injusto seguirão
pelo mesmo caminho – da injustiça – se tiverem a oportunidade.